O país está vivendo hoje um dos momentos mais difíceis da sua história recente em termos sanitários, sociais e econômicos. A “normalidade” tem sido questionada. Mais do que nunca, há uma exigência de mudança de valores, de quebra dos paradigmas da naturalização das desigualdades e discriminações.
A pandemia de Covid-19 tem mostrado de forma impactante a profundidade da desigualdade social e racial. As pessoas que menos conseguem se proteger e se preservar da doença são a população negra, desempregada, que vive do comércio informal, que mora em regiões sem saneamento básico, sem hospitais, com poucos leitos para tratar qualquer enfermidade. As mulheres negras, responsáveis pelo cuidado dos doentes, dos idosos, das crianças, são aquelas que mais têm se exposto ao contágio para dar suporte mínimo às suas famílias. Uma vez infectadas, são o grupo que mais morre de Covid-19 ou da Síndrome Respiratória Aguda. A maioria não teve sequer acesso ao teste de Covid. As mulheres negras ainda têm que costurar suas máscaras de proteção e de suas famílias pois não há máscaras suficientes ou disponíveis para a população. Elas promovem as ações de solidariedade comunitária nas favelas, arrecadam e distribuem alimentos e materiais básicos de higiene e saúde.
A colonização europeia escravista impôs ao país ideias, mentalidades e estruturas tóxicas, as mesmas nas quais está baseada até hoje a sociedade brasileira, gerando e perpetuando cotidianamente todo tipo de violência contra a população negra, explorando sua mão de obra e expropriando seus conhecimentos e cultura.
Os fatos deste ano demostram a brutalidade dessa violência: Jenifer Gomes, 11 anos, baleada em frente à sua casa; Kauan Peixoto, 12 anos, um tiro nas costas e outro no rosto; Kaue dos Santos, 12 anos, baleado na cabeça, Agatha Felix 8 anos, baleada nas costas, dentro de uma van, Kethellen Gomes, com 5 anos, e Kauã Rozario, com 11 anos, ambos baleados; João Pedro Pinto, 14 anos, baleado dentro de casa e levado por policiais em um helicóptero. Todos têm em comum o fato de serem crianças negras, pobres, morarem em favelas ou bairros sem infraestrutura, filhos de mães negras, que são chefe de família e vítimas das políticas e práticas de Segurança Pública. Além disso, esses casos tendem a ficar absolutamente impunes. Que justiça é essa? Isso é normal? É normal que a polícia, a instituição com a missão de manter a paz e garantir a vida dos cidadãos seja responsável por quase 6 mil mortes por ano? Somente no Rio de Janeiro, mais de 78% das pessoas mortas em ação da polícia em 2019 são pessoas negras e pardas, e desses, 43% são jovens negros. Nada disso é justo ou normal.
O Brasil tem a maior população negra fora da África. Diferente dos EUA, no Brasil a população negra é maioria. Como é possível que nas universidades a maioria dos alunos seja branca? E na política? Nas Casas Legislativas dos municípios, dos Estados e da União? E nos tribunais, regionais ou superiores, como é possível termos tão poucas pessoas negras?
Na iniciativa privada, em grandes empresas e corporações nacionais ou estrangeiras sediadas no Brasil, por que há tão poucos negros