Mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio no país
Aliança Negra Pelo Fim da Violência reúne ativistas para debater estratégias de enfrentamento.
Pelo menos uma pessoa ligou, por minuto, para o número de emergência policial em 2021 para denunciar casos de violência doméstica. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado este ano e mostram que, se a mulher é a principal vítima desse tipo de crime, a mulher negra sofre ainda mais. De acordo com o levantamento, 62% das vítimas de feminicídio no Brasil são negras. Quando se analisa as vítimas de outros tipos de assassinatos violentos, esse índice passa dos 70%.
No mês de julho, em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, são pensadas diversas ações e movimentos que chamam atenção para a questão racial e de gênero. Uma dessas articulações aconteceu no Rio de Janeiro, onde 16 grupos e organizações liderados por mulheres negras de todo o país se reuniram ao longo de quatro dias para debater estratégias de enfrentamento à violência racial.
O encontro, organizado pelo ELAS+, primeiro fundo independente de mulheres do Brasil, faz parte do edital “Aliança Negra” – que propõe a formação de uma grande rede pelo fim da violência. “O desafio é, no período de três anos, construir uma resposta forte contra a naturalização da violência racial no Brasil. Estamos tentando engrossar o caldo para fortalecer essa agenda que visa o fim do genocídio da população negra, combate à violência contra mulheres negras e pessoas trans negras, além do fortalecimento da comunicação antiviolência racial” – explica K.K Verdade, Diretore Executive do ELAS+.
Encarar as estatísticas e organizar movimentos de resistência, no entanto, não podem ser tarefas apenas de quem já é vítima das agressões. Representante da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, Liz Guimarães participou do encontro e lembrou que é preciso o engajamento de toda a sociedade. “É imperativo que as pessoas brancas se comprometam com a reparação, um compromisso de ir em busca e agir contra o dano causado”, destacou. Integrante da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Cleide Resende também fez questão de ressaltar a importância de receber apoio na luta. “Quando chamam a gente de guerreira eu fico preocupada. Não somos guerreiras. A gente resiste, mas a gente também morre por resistir”, enfatizou.
Questões sobre encarceramento e violência contra familiares de pessoas em regime prisional também foram discutidas. Dados do Banco Nacional do Monitoramento de Prisões, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, apontam que o Brasil tem mais de 910 mil pessoas vivendo em privação de liberdade. E o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que a maioria, 67%, são pessoas negras. Como se pode ver, o sistema prisional brasileiro também coloca mulheres negras, mães e companheiras dos encarcerados, em situação de vulnerabilidade social. Além disso, vem crescendo o número de mulheres presas. O levantamento da Segurança Pública aponta que, entre 2020 e 2021, houve um acréscimo de mais de 20% no número de mulheres encarceradas. A maior parte por crimes cometidos sem violência.
Problemas como a falta de acesso à saúde, falta de condições sanitárias adequadas e a própria fome também foram colocados como pontos de atenção. Integrante da Rede-SANS (Rede de Defesa e Promoção da Alimentação Saudável, Adequada e Solidária), Luiza Cavalcante lembrou, durante o encontro dos grupos apoiados pelo edital Aliança Negra, que a miséria social precisa ser considerada uma forma de violência. “Enfrentar a fome é também enfrentamento à violência. É preciso garantir alimentação saudável e fortalecimento da saúde para a população negra”, destacou.